eu tive a sorte de ter nascido numa família maravilhosa. com manhãs perfeitas de comercial de margarina, festas barulhentas de pastelão italiano, drama de filme do dogma. muito amor entre as pessoas. eu cresci numa casa onde tortas cheirosas eram postas pra esfriar na janela, embora isso nunca tenha de fato acontecido. por isso deve ter ficado na minha cabeça que o único jeito de dar certo na vida era conseguir reconstruir essa exeperiência. ter a minha própria família trapo pra amar. obrigar meus amigos a ver intermináveis videos caseiros, dirigir gritando com a molecada zoando no banco de trás, curtir a dois o silêncio das crianças na cama, fazer compras de mês, chorar com cartões feitos de pintura a dedo, me gabar com a lista do vestibular na mão.
ao invés disso eu costuro almofadas e faço planilhas. tenho três violetas e uma arvorezinha de manjericão gigante. eu jogo nos apps do celular e decido onde aplicar minhas economias. eu dou risada sozinha das histórias que eu escrevo e não ligo mais pra um monte de coisas que eu ligava antes. escolho se quero barulho ou silêncio. eu apago tudo antes de dormir.
acho que vai dar tudo certo.