quinta-feira, 25 de junho de 2009

Café da tarde

Ontem eu tive um intervalo no consultório e fui tomar um café na padaria do Benjamin, alí em Higienópolis. O lugar é uma delícia, vive cheio, é o 'fervo'.

A única mesa vaga era ao lado de um grupo composto por um pai de trinta e tantos com dois filhos pequenos - um de uns 5 anos e outro de um ano e pouco - e uma babá. A moça tentava em vão chamar a atenção de um dos meninos para que ele tomasse um gole de suco de melancia. O pai tinha o filho menor no colo e o olhava maravilhado e orgulhoso. O pequeno piscava com força os olhos azuis e balbuciava algumas palavrinhas enquanto mastigava/chupava um pedaço de algo que parecia ter sido um pão de queijo.

Fui chegando com a minha xícara e uma revista e quando cruzei o olhar com o menino menor ele abriu um sorrisão banguela e me 'ofereceu' o que quer que fosse que estava comendo. Conquistou meu coração na hora!

Acabei puxando prosa com o pequeno que, em dois segundos estava no meu colo, espalhando pedacinhos babados de sua comidinha não-identificável na minha roupa. O pai aproveitou o intervalo pra tomar seu suco de laranja que parecia estar lá há tempos dado o grau de sedimentação da polpa no fundo da jarra. Serviu o seu copo e o da babá. Esta, não levando qualquer ibope com o mais velho, havia desistido de alimentá-lo e apenas o observava enquanto ele alisava a parede com o guardanapo, ininterruptamente.

Perguntei ao pai o nome das crianças e os cumprimentei repetindo seus nomes. O pequeno, ainda no meu colo, me olhou sorrindo em retribuição ao 'oi', mas o mais velho não se voltou e sequer parou o que estava fazendo. Procurando justificar o pouco caso do filho ou talvez me consolar, o pai me contou que ele era autista. "Ele tem um pouco de autismo", foi a frase exata que ele usou.

Tudo que consegui fazer foi tentar fazer cara de nada e perguntar se era tranquila a convivência dos irmãos. O pai me disse que sim, que o mais velho tinha uma forma branda de autismo, que tolerava bem a insistência do irmãozinho e chegava até mesmo a aceitar que ele o tocasse. "Eles brincam meio paralelamente, ele não dá muita bola, mas o pequeno aprendeu a respeitar o jeito do irmão".

O pai também me disse que tinha sido muito difícil descobrir o que o menino tinha, que ele só recebeu o diagnóstico com quase 3 anos, mas que ele e a esposa sabiam desde poucos meses que havia alguma coisa errada. "Depois que a gente teve o diagnóstico a gente resolveu ter outro bebê, porque senão a gente nunca ia saber como era ter um filho de verdade".

Fiz que sim com a cabeça e sorri praquele homem na minha frente. Não me ocorreu nenhuma palavra. Ele sorriu de volta e virou-se pra terminar o suco. Pouco me lembro do que aconteceu depois, mas sei que eu ainda brinquei um pouquinho com o menininho no meu colo até que ele resolveu descer e correr; logo eles se despediram e se foram.

Acho que enquanto eu viver eu vou me sentir inepta pra comentar sobre essa história.
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12 comentários:

Cy disse...

caraca..."não saberíamos o que é ter um filho de verdade".

mélis disse...

morri.morri.

Em minutos vc tava com a criança e sua comidinha babada no seu colo ( nessa hora EU me senti autista e também pensei que o cara do radiohead tava lá vendo isso e fez a musica Creep pra vc: SO F#%&ing special!)

post lindo de coisa delicada que só uma beholder como vc enxerga.

Duda Camargo disse...

A Cy já escreveu exatamente o que eu vim aqui pra escrever... Ah, e parabéns pelo Oscar de "Melhor Final de Post", na categoria "Não Que o Restante do Post Não Fosse Ótimo Também, Mas Caraca, O Último Parágrafo Foi Punk" (não é uma estatueta muito conhecida ainda, mas parece que dá um bom peso de papel)

Plinio Bolognani disse...

foda, conheci um cara aqui da alcatel que falava que a melhor coisa que acontece com ele foi Deus ter enviado para ele o filho com sindrome de down.

ele era apaixonado pelo muleque.

esse post mistura sentimentos. revolta, dó, felicidade...

calenza disse...

calma que eu to meio fora de área ainda...
bja

giacca, synbad, tchuca... disse...

eu nao sei o q eu teria respondido. talvez eu tivesse ajudado o menino mais novo a espanhar o pate de pao-de-queijo babado na parede ou na cara do pai.
so espero q a forma de autismo do menino nao seja tao branda pra q ele nunca perceba a diferenca q os pais devem fazer em relacao aos filhos.
nao q seja tarefa simples ter um filho especial (os pais precisam ser ainda mais especiais pra aguentar), mas chamar um de verdadeiro e o outro de fardo me parece uma crueldade enorme pra quem ja tem um grande problema na vida.
q bom q o menino autista teve alguns momentos de atencao decente vindo de vc, pq provavelmente ele nao deve ter dos pais.
e pra finalizar, tb nao to com odio do sujeito, nao eh isso. a vida dele nao eh facil. mas eh q tudo na vida eh uma questao de "wording". ele podia ter dito de outra forma. a palavra "normal" seria ruim tb sob o aspecto humano, mas teria pelo menos um respaldo estatistico. agora "de verdade" eh muito duro.
o sujeito deve ter sofrido (ou ainda estar sofrendo) muito pra classificar dessa forma o proprio filho.
mas podia ser pior. ele podia ter chamado o menino de "entulho", "atraso", "castigo" ou coisa pior.
pena eu ter ficado tao chocado, senao eu escreveria algo sobre o post... hmpf!

giacca, synbad, tchuca... disse...

em tempo: i am father material, also... rs

Mia Sílvia disse...

Que linda história, meu bem! mas voce tem razão, não é possível fazer um comentário direto, há tantos ângulos na vida dessa gente....

giacca, synbad, tchuca... disse...

ok, acho q nao entendi direito a historia...

Thunderstorms, dreams and conversations disse...

Goosebumps!

Silvinha disse...

pois é giacca. eu também nao entendi a história direito. só estava tentando contar o que eu vi. o que eu senti seria muito mais difícil de contar.
eu vi um pai apaixonado por um filho e mortificado pela falta de sorte do outro. ao mesmo tempo vi um narciso apaixonado por si próprio e achando feio tudo que não é espelho. ao mesmo tempo vi uma pessoa sofrendo e aceitando a dor com uma honestidade tão crua que chega a ser chocante. ao mesmo tempo tive medo de ser tão vil e mesquinha a ponto de entender o que ele queria dizer. ao mesmo tempo me senti aliviada por ser humana e cheia de falhas e imperfeita como me mostrava alí aquele cara igual a mim. eu queria poder sorrir ao mais velho e mostrar simpatia por sua má sorte, mas ele não ia poder aceitar ou mesmo compreender a minha simpatia do jeito que eu queria ser compreendida. e tive raiva da vida por fazer uma sacanagem tão grande com uma criança de colocá-la no mundo e limitar justamente sua capacidade de sentir o que faz a vida valer a pena. e tive ódio de pensar que o destino dele estava sendo tão facilmente aceito que talvez ele perdesse a chance de tentar se desenvolver por falta de investimento alheio.
enquanto isso eu não podia ver mais nada porque o pequeno se jogava sem qualquer cautela nos meus braços e a urgência do cuidado com aquela criaturinha me fazia esquecer de absolutamente todo o resto do mundo.
life is a bitch. life is just pure gift.

lexandre disse...

Já li crônicas profundas. Pesadas. Raras as que me fizeram soltar um "daaaamn..." como essa sua história.