quinta-feira, 11 de junho de 2009

Caligrafia

A Dona Adélia tinha 79 anos. Estava pensando para qual das netas deveria deixar o seu livro de receitas escritas à mão. Na mesa da cozinha ela sempre tinha uma toalhinha bordada ou um caminho de crochet. Desde pequenina era tão caprichosa, que as amigas invejavam seus cadernos da escola. A professora de ponto cruz selecionava seus trabalhos para mostrar de exemplo pras novatas que alí chegavam com olhos curiosos.

Há 47 anos, um tempo depois que o Sêu Aloísio morreu, Adélia aceitou o primeiro pagamento, da filha de uma amiga, para escrever o nome de parentes e amigos nos convites de casamento. Os pedidos para que Adélia escrevesse não pararam mais. Às vezes uma amiga do bairro trazia o neto pra fazer aulas, as professoras reclamavam que não dava pra entender aqueles garranchos. Algumas moças traziam o enxoval inteiro para que as iniciais bordadas saíssem das mãos dela.

Adélia pagou estudo dos filhos, a reforma da casa, a psicóloga pra filha menos bonita, o aparelho dos dentes do neto mais velho. Até conheceu o Vaticano com o dinheiro das letras.

Já fazia uns anos que não tinha mais trabalho. Agora todo mundo faz tudo no computador, ela dizia, não precisam mais de mim. Eles tem razão, né filha - foi o que me disse, meio sentida, meio conformada. Eu só não gosto dessa fonte Times Roman. Acho que eles não deviam usar essa não.
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2 comentários:

mélis disse...

Fooofa, gente!

giacca, synbad, tchuca... disse...

isso é verdade ou criado por vc? caramba, isso tá tão real que nem parece de verdade...