terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Pertences

Lembro do tempo que eu saía de casa com um dinheirinho miúdo e a xerox do RG enfiados no maço de cigarro, uma chave num cordão no pescoço, guardada dentro da blusa. Só isso. Não tinha carro, não usava salto alto, andava de sandalinha. Era ônibus, metrô, carona. Saía de um lugar, não deixava nada pra trás. Levava só eu comigo, e era tudo que eu tinha. E às vezes era até mais do que eu conseguia dar conta.

Essa época era boa, mas também tinha muita incerteza. Eu não sabia se ia conseguir ser alguém importante pras outras pessoas, se ia conseguir fazer coisas relevantes da minha vida, se ia pertencer a algum lugar.

Tem um texto de alguém, não consigo lembrar quem, que diz que a quantidade de chaves que a gente carrega é proporcional ao tanto de responsabilidade que a gente tem. Pura verdade. Hoje eu cuido de portas, portões, cofres e cadeados. Tem sempre alguém querendo saber por onde eu ando. Eu estou sempre devendo alguma coisa pra alguém, assumindo muito mais compromissos do que eu posso cumprir. O dia-a-dia de várias pessoas depende das minhas ações e se ressente com a minha inércia. É raro eu poder exercer o direito de não dar satisfação, sumir ou sair sem as chaves.

Ontem eu fiz um mini-exercício de desprendimento. Saí de casa com a roupa do corpo, levando uma bolsinha a tiracolo com a chave da porta da frente, meu cigarrinho, celular, carteira de motorista, uma grana, um e-ticket impresso e um ingresso de estudante gambiarra pro show da Madonna. Não era tão pouca coisa assim, mas juro que foi muito difícil. O que era tão natural há alguns anos me deixou muito esquisita nos primeiros momentos. Com aquela sensação de estou esquecendo algo, estou sendo irresponsável, estou deixando passar alguma coisa.

Por sorte, em Congonhas eu encontrei aquela menina de sandalinha que eu era antigamente. Consegui desencanar. Fui pro Rio, encontrei meu brother, tomei um monte de cerveja no copo de isopor, tirei sarro e fiquei melhores amigos com a galera na pista do Maracanã, vi o show, cantei, dançei até a última ponta. Não precisei de nada que não tivesse levado. Saí de lá feliiiiiz da vida, levando só eu e meu irmão. Tudo que era importante.
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6 comentários:

Plinio Bolognani disse...

Que lindo Ia, eu gosto da menina de sandalinha!!!

e não esqueça do sanduiche depois...

Beião

Thunderstorms, dreams and conversations disse...

Que bonitinho Ia, dá uma saudade do "era".

giacca, synbad, tchuca... disse...

sil, lindo texto. mas cuidado com o pili - ele quer passar a pera na menina de sandalinha... rsrs

Silvinha disse...

hahahhahhahaha! nada, giacca! o pili sempre foi maior superprotetor dela. não deixava ninguem chegar perto...

Mia Sílvia disse...

Amo tanto vocês dois! E os dois juntos eu não amo o dobro, amo o quádruplo....
Pode ser isso?

Chimene disse...

Silvia, vc sempre tem comentarios incriveis.
A historia da chave explica muita coisa... minha bolsa tem estado muito pesada por conta disso!
esvazia-la de vez em quando eh bom!
beijos e parabens pelo blog!