quinta-feira, 9 de abril de 2009

Pão-de-casa e free-thinking

Quando eu era criança, passava muitos feriados na chacrinha do tio Geraldo. Era um dos lugares mais incríveis do universo: tinha uma casinha que era um chuchu, com uma área externa super gostosa, de pedra mineira no chão (aquela amarelada, porosa e meio cintilante, sabe?). Tinha churrasqueira e forno a lenha, onde minha tia Maria Helena sempre fazia deliciosos 'pães-de-casa', que a gente comia quentinho com manteiga derretendo.

A lembrança mais nítida que eu tenho desse local é o pseudo-seríssimo tio Geraldo 'passeando' um sapo-boi com um barbante, como se fosse um poodle na coleira. Mas acho que isso é assunto pra outra história. O que eu quero contar aqui é o episódio de um feriado de Páscoa.

Eu devia ter uns 6 anos e pela primeira vez presenciei um 'ritual' de malhação do Judas, promovido pelos moradores da vila que havia ao lado da chacrinha. Creio que foi a primeira vez que eu fiquei chocada com a natureza humana e posso dizer, sem dúvida, que foi uma cena crucial na formação da pessoa que eu sou hoje.

Um boneco feito de roupa de gente recheada foi espancado por homens, mulheres e crianças barulhentos e excitados, munidos de cabos de vassoura, galhos de árvore e outros tipos de bastões. Havia gritos, xingamentos e revolta. Mas aquilo não combinava com a satisfação no rosto das pessoas. Definitivamente eu não consegui captar aquele 'mood'.

Meus irmãos e primos mais velhos acompanhavam também aquela movimentação e pareciam achar aquilo mais natural, o que novamente me chocava. Como assim? Vocês não estão vendo isso que eu estou vendo? Hellooo-ow! Alguém me explicou que Judas tinha traído Jesus. O que é traído? Ah! Ele fez uma coisa muito ruim pra Jesus.

Eu sabia que Jesus era do bem. Ele cuidava da gente e a gente rezava pra ele à noite. Ele nasceu pobrezinho no Natal e depois ajudou as pessoas. Eu podia entender que Jesus era do nosso time e que a gente não gostava de quem sacaneasse com ele. Mas gente, por pior que fosse o que Judas tinha aprontado, aquele castigo me parecia exagerado demais. E definitivamente não fazia sentido ter prazer naquele papel de algoz.

Aquilo nunca me saiu da cabeça. Pode parecer exagero, mas eu creio que foi daí que eu comecei a ter consciência de que eu simplesmente não aceitava algumas coisas do status quo e ia ter que aprender a pensar diferente das outras pessoas. Desde a tenra infância eu sou ranheta e overthinker. Mas confesso que venho me conformando que a minha indignação é minha amiga. Mesmo que ela faça de mim uma pessoa um pouco cansativa.
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6 comentários:

Lavi disse...

Nessas horas é que lembramos que somos animais, que gostamos mesmo é de sangue. A civilização bloqueia os sentidos, e cada cultura dá um significado próprio a eles. Mas bastam umas doses de cachaça que todo mundo pensa igual...

mélis disse...

pronto-cabô. I'm done with you!

Você não existe!
Caaaara, consegue ser ainda mais fofa e gatinho do Shrek qdo fala sob esse prisma do olhar infantil.
me mata!

giacca, synbad, tchuca... disse...

os humanos conseguem alguns feitos interessantes as vezes: transformam num ritual natural um comportamento atroz, de forma que pareça normal espancar e matar, desde que por uma boa causa.
somos bizarros por natureza, animais na essencia, como bem disse o Lavi, mas tb acho que temos q conter esses instintos e mudar os rituais q nao fazem sentido (malhacao do judas, farra do boi, tourada etc). nao importa a cultura e a tradicao, existe uma coisa chamada etica q eh atemporal e universal, mesmo q a moral e os costumes nao o sejam...
e vc nao eh casativa, nem esta errada em ser sobrepensativa (da-lhe reforma ortografica!). bom pra nos q vc nunca abriu mao do espirito critico.

renatasakai disse...

cara, eu já vi malhação do Judas em Mogi e realmente é bizarro. Tipo: pra quê? Mas no fim você põe no saco do folclore e se diverte.

Silvinha disse...

pois é, renatinha! por isso que eu digo que é um saco ser eu. ao invés de me divertir eu acabo com o dia remoendo o fato de que aquilo tudo é muito errado!
qualquer dia me lembra de te contar a história de san fermin em papmplona...

Plinio Bolognani disse...

Ahh, que isso. Malhar o Judas é da hora...

Você poe pra fora toda a raiva, é muito bom dar uma paulada bem dada no Judas, alivia o stress :p

Até chutar uma caixa, falando que é o dono mala do camping é gostoso. hahahahaha